quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Painéis de José: um tesouro do Ceará colonial em Aquiraz

Os painéis da Igreja Matriz de Aquiraz contam uma parte da história do Ceará no século XVIII. Relatando a vida da Sagrada Família, as pinturas de autor desconhecido são parte da catequização iniciada pelos jesuítas.
Técnico trabalha na restauração de uma das pinturas: vestígios da história colonial do Ceará.

Há um mistério que adorna, desde o século XVIII, o teto do altar-mor da Igreja Matriz São José de Ribamar em Aquiraz, na Região Metropolitana de Fortaleza. São os precisamente 15 painéis octogonais que retratam a vida da Sagrada Família. Três deles estão em branco, como uma marca das intermitências e silêncios que ainda hoje guardam as obras.

Não há dados sobre quem ou mesmo quando essas pinturas foram feitas. Outra incerteza é se os documentos estão para sempre perdidos (probabilidade maior) ou escondidos em alguma gaveta incógnita. No ano em que Aquiraz completa (oficiais) três séculos, os painéis, cercados de ausências, conseguem mostrar uma fresta de nossa história colonial.

Os trabalhos estão ligados à catequização jesuítica no Estado. Em 14 de março de 1727, o capitão-mor João de Barros Braga, uma espécie de chefe militar da época, doa terreno na Vila de São José de Ribamar de Aquirás aos jesuítas que requeriam há tempos morada naquela localidade. Esses religiosos haviam chegado ao território nacional desde meados do século XVI e no Ceará a partir de 1607.

A ideia era construir, o que acabou realizado, um Hospício, local de paragem para religiosos doentes, exaustos do trabalho missionário ou idosos. Junto, ergueram também um colégio e uma capela.
Como registra a jornalista Lúcia Helena Galvão, no Painéis de Aquiraz – joias da arte popular no Ceará colonial, é possível que as imagens tenham sido pintadas inicialmente para a capela e só depois conduzidas ao altar-mor da atual Igreja, que pode ter sido construída mais para o fim do século XVIII.

Os painéis tinham o objetivo religioso de instrução numa época em que havia um duplo problema: além do analfabetismo entre os europeus, os índios não falavam a língua portuguesa. Havia um grande intercâmbio de religiosos artistas que seguiam aos diferentes aldeamentos de catequização para o desenvolvimento de oficinas para formar pintores.

“[O artista] Pode até ter sido um jesuíta ou mesmo um franciscano, porque São José tem uma roupa muito amarronzada remetendo um pouco ao hábito de Francisco”, afirma o especialista em conservação e restauração de bens culturais móveis, Hélio de Oliveira. “Mas pode ter sido também alguém orientado”, acrescenta ele. Oliveira é também o coordenador do projeto de restauração, iniciado em janeiro deste ano, com patrocínio do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

Na avaliação dele, “a grande genialidade é saber que um artista tão longe dos grandes centros urbanos consegue fazer esses painéis e passar a mensagem que queria com tão poucos pigmentos e uma palheta tão pobre”.

A palheta é mínima: o vermelho, o amarelo e o azul – os três conseguidos na natureza ao redor. As outras cores vêm de variações dessas. “Até o manto de nossa senhora é quase verde”, pontua Oliveira.
Outra possibilidade forte é que o artista, considerado “ingênuo” pela maneira de compor, tenha se utilizado de um molde europeu que acabou reconfigurado naqueles painéis. “Naquela época, o melhor de tudo era a cópia. Mas o artista se trai e coloca elementos que vêm do inconsciente dele: muitas vezes na cara de Nossa Senhora está o rosto da mãe, da filha, da irmã. Você percebe as pessoas simples da região”.

Galvão levanta ainda a hipótese de que três painéis tenham continuado em branco pela expulsão dos jesuítas da província definitivamente em 1759. A ordem, cada vez mais poderosa no reino e na colônia, enfrentou as inimizades do Marquês de Pombal que a percebia como um empecilho às suas ambições iluministas.
“No Ceará, a expulsão ocorreu precisamente quando se tratava de instalar um Seminário junto ao Hospício, a exemplo do que havia na Capitania da Paraíba”, escreve o historiador Geraldo Nobre, no livro História Eclesiástica do Ceará.

As construções deixadas para trás com a saída dos religiosos foram demolidas em 1854 por estarem abandonadas. As ruínas na cidade permanecem como ponto turístico. E as imagens no teto da Igreja, como marca de uma história que ainda é nossa.

Saiba mais
A paróquia comemora os 300 anos de evangelização com programação que começou no último dia 4, domingo, e segue até o próximo dia 15, quinta-feira. Na programação, há shows, celebrações eucarísticas e exposição de fotografias históricas.
Além dos painéis do teto, a imagem de São José, com botas e com o menino Jesus nos braços, que se encontra na Igreja Matriz de Aquiraz, também tem sua história: conta-se que ela foi encontrada sobre o mar (por isso São José de Riba-mar).

A ordem era levar a estátua a Cascavel, mas o empreendimento acabou frustrado, porque a imagem ganhou um peso sobrenatural. Somente quando o bispo abandonou a ideia, a imagem voltou a tornar-se leve.  

Por Lúcia Galvão
Fonte: O Povo Online

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